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Uma crônica pelos ares

Avião da TAP, voo 0157                                                                  
Fevereiro de 2012
Lisboa – Salvador


Avião da TAP sobre o Oceano Atlântico
Por Marília Marques
Quando eu entrei no avião, no voo de retorno ao Brasil depois de um ano vivendo, viajando e estudando em Portugal; um senhor já estava sentado na poltrona ao lado da minha. Com a minha mala e muitos casacos na mão eu o cumprimentei com um “boa tarde” antes de sentar-me. Ele respondeu-me sério, mas gentilmente e ofereceu-se para pôr minha mala (e os 367 casacos que eu trazia na mão, rs) no porta-malas.

Era mesmo um senhor daqueles que têm cabelos brancos, usa óculos, deixa as pernas cruzadas e segura um jornal sobre os joelhos. Eu ri da figura meio-exótica-meio-normal ao meu lado, que olhava todas as pessoas do avião como que tentando desvendá-las e, de repente ele percebe meu riso de leve analisando a excentricidade dele, pára o olhar sobre mim e pergunta-me:

- Tudo bem?

Sinceramente não estava tudo bem. Eu já estava concentrada nos sons à minha volta, que eram os mesmos que um dia, um ano atrás eu já tinha escutado:  a turbina do avião mesclados com o da minha respiração ofegante antes da decolagem. E eu pensei no momento da pergunta dele em dizer tudo isto. Em pedir: “Um momento, por favor, este momento é só meu. Quero estar aqui quientinha… concentrada na minha dor de ser arracanda de um lugar que eu ainda não queria deixar!”

Mas tudo isso seria dramático demais…E eu apenas respondi:

- Sim, tudo bem e você?

Pronto! Foi a oportunidade dele poder me perguntar mais. Perguntou-me se eu vivia em Portugal e a quanto tempo eu estava. Depois que eu contei-lhe que era um intercâmbio e que eu estudava jornalismo e tal e coisa, ele me perguntou em tom de desentendimento:

- E por que já está voltando?

Eu sorri. E não quis responder com palavras (era complexo demais para mim aceitar que estava voltando tão cedo)… Mas talvez não tenha respondido pois realmente nem eu sabia o porquê. Fiz-lhe simplesmente um levantar de ombros. Ele entendeu.

Eu realmente não estava pra conversa. Estava sendo duro demais para mim partir. A cena da despedida dos amigos na rodoviária de Bragança / Portugal – cidade onde eu estava vivendo – ainda estava viva na minha cabeça. Isso de dizer “adeus”, balançar o braço e dar tchauzinho já era parte da minha vida há uns três anos desde que fui viver fora de casa para estudar em outras cidades, mas confesso que não é nada fácil de lidar com despedidas; principalmente se for aquelas em que você abraça teus amigos e tem a noção de que no instante do abraço nasce o medo de nunca mais revê-los. Estranha sensação de olhar nos olhos de cada um,  rever e sentir tudo o que já se passou em 1 ano de convivência.

E depois que eu não soube explicá-lo porque eu já estava voltando do intercâmbio, ficou um silêncio entre nós até o momento em que o avião já havia ganhado altitude. Eu me via entre as nuvens novamente – sensação que me fazia bem – com a cabeça em direção à janela observando a cidade de Lisboa ficar pequenina até este senhor interromper meu transe e perguntar-me em tom de afirmação:

- O teu sonho acabou, hein?! 

Aquilo foi tão duro de ouvir que eu olhei incomodada para ele e respondi:

- Ainda não.

Ele brincou:

- Ah, então só acaba quando chegar em Salvador…?!?

Eu sorri:

-Quando eu chegar, meus sonhos só estarão recomeçando, acredite.

Ele ergueu a sobrancelha direita em tom de desafio e prosseguiu novamente em silêncio. Mas em seguida a esta minha última frase que era só uma “consolação” de mim para mim mesma, eu logo lembrei:

É verdade, vai ser complicado voltar.  A cidade se preparando para o Carnaval (algo que nem de longe estava em minhas prioridades participar por agora), sem falar na drástica mudança climática – afinal não é fácil deixar o inverno rigoroso de uma cidade europeia para aterrisar em pleno verão de Salvador. Sem falar de que as pessoas da cidade estavam se recompondo da onda de violência que foi notícia em alguns jornais do mundo em decorrência da greve da polícia militar na Bahia.

Deixei os pensamentos de lado. Neste instante eu tinha a mente limpinha. E o tal senhor insistia em me fazer pensar sobre o meu retorno. Perguntou-me se eu estava feliz, se um dia eu pretendia voltar e quais eram o meus planos em relação aos estudos. Notei que tudo estava ficando filosófico e profundo demais. E enquanto conversava agora tranquilamente com ele, uma lágrima – bem discreta – caiu em um dos meus olhos. Eu, rapidamente enxuguei-a com uma das mãos e prossegui na conversa, meio sem jeito. O tal senhor disse-me num tom sério:

- Não tenha receio em deixar transparecer se tens medo.

Eu nem hesitei e repondi:

- Não estou com medo.

E ele:

- Está sim. Tens medo de como será a tua volta ao Brasil.

Eu novamente disse-lhe:

- E por que você está dizendo isso?

O senhor respondeu imediatamente:

- Porque se fosse eu teria. Eu estou só a dois meses longe do Brasil. Mas sei que a cidade está um caos. Estávamos em greve da polícia, a segurança é um assunto esquecido pelo governo; no calor nem se fala… O Carnaval é a maior preocupação atual, o prefeito não quer mais saber da nossa cidade. Tem lixo, muito barulho nas ruas, desorganização… Você bem sabe, mas agora tudo o que você vir será de um ângulo diferente. Tudo fica mais intenso.

Sim, eu sabia que a minha visão das coisas e pessoas não seria mais a mesma. Eu sabia! Mas ele não precisava ser tão direto assim! Reclinei a poltrona e prossegui vendo as nuvens passarem. Já era quase noite no céu. Eu estava sobre o oceano e  ainda faltavam algumas horas de voo até a chegada em solo brasileiro.
O senhor disse-me mais muitas coisas sobre as experiências dele de viagens, de jornalistas que ele conhecia, das coisas que ele achava sobre o mundo e sobre as pessoas. Depois dormiu. E de repente, como se estivesse com o corpo programado, acordou quando estávamos próximos a aterrisar, e na fila para descermos do avião ele estava em minha frente. Próximo à saída ele virou-se para mim e disse-me mais ou menos assim:

- Quando a realidade chegar de verdade, garota, lembre-se que não foram as coisas que mudaram, é você que não é mais a mesma! Até logo!

E nesta noite em que a temperatura era nada menos que 28graus, o ar quente de Salvador entrou pelo meu nariz e foi aí que senti que realmente eu estava de volta.




Por Marília Marques

Vista da cidade de Bragança com o castelo ao fundo.
Por Jérôme Mondry
Estar por alguns meses distante da terra natal não parece uma tarefa fácil para muitas pessoas. Agora imaginem viver um ano completo longe de tudo que lhe é familiar? Este é o desafio que um intercâmbio num outro país nos proporciona.

Das aprendizagens obtidas num intercâmbio a mais importante tem sido a de conviver com pessoas dantes nunca vistas  e com isso, aprender a lidar com aquilo que é diferente. Um outro aspecto que aqui sempre despertou a minha atenção é o facto de eu ter estado todo o ano a conviver com o efêmero. Para um intercambista quase tudo se torna passageiro: em primeiro lugar você tem sempre um prazo determinado para retornar ao teu país. Depois sabe que este tempo longe do teu ambiente natural nunca será igual - e se fosse, a experiência não teria a mínima graça!! E como um estudante em mobilidade tem a noção de que o tempo está a passar e que é preciso aproveitá-lo, perder uma oportunidade é erro gravíssimo. Ter o máximo de experiências é a regra geral. 

Aqui o tempo corre diferente. É tudo mais rápido. As estações do ano, por exemplo te faz ter o ano segmentado em fases. No inverno o estado carência das pessoas é o que domina. Na primavera as coisas possuem uma luz diferente, tudo fica mais alegre e colorido. O verão é a euforia geral: piscinas públicas, sol nos jardins, pessoas muito mais bem dispostas e um calor que lembra a minha terra de origem. E por fim, o outono é novidade, ao menos para mim: folhas secas no chão, tempo fresco e o amarelar das folhas.
Esta sensação é sentida especialmente por pessoas que vieram de países quentes, em que este ciclo das quatro estações não é sentido, a exemplo do Brasil, como também afirma a estudante Anna Luísa:

“Quando cheguei em Bragança, em setembro, o clima ainda não estava  tão diferente do meu país, o Brasil, porque ainda estava quente e para adaptar foi mais fácil. Na medida em que o inverno foi chegando ficou bem mais difícil e a gente não tinha roupas adequadas, então tivemos que nos acostumar com o tempo mais frio.”

E Taiane Nazaré:

“Eu acho Bragança uma cidade ótima para morar, apesar de ser uma cidade pequena o interessante é que a cidade te proporciona várias condições para você ter uma vida boa, tem muitas atividades culturais, a agenda cultural de Bragança é muito grande em relação a uma cidade pequena no Brasil, então eu acho que esse incentivo de ter atividades para pessoas da cidade é muito interessante, é uma das coisas que eu acho mais positiva na cidade.”

Outro aspecto a destacar deste intercâmbio em Bragança são algumas dificuldades enfrentadas especialmente por nós, estudantes brasileirAs: ainda somos vistas com um certo ar de desconfiança, principalmente por aqueles menos esclarecidos e que não se mostram disposto a analisar a diferença das situações que agora vivemos. O facto de ser diferente e estar sob o olhar de muitos na cidade é também sentido por estudantes de países que falam outra língua, como os da China, Eslováquia ou Costa Rica.

O estudante Harold que vive em Bragança falou-me um pouco sobre as experiências e dificuldades encontradas para alguém que não é falante natural do português:

“Quando llegué aqui en Bragança fue muy complicado debido al idioma, pero conforme aprendi el idioma y con esto fue mucho más facíl el processo de adaptación. Para integrar-me fue relativamente facíl, pues la facilidad de aprender portugués hablando español es una cosa que se leva en cuenta. La ciudad nos permite conocer a mucha gente portuguesa. La gente portuguesa muchas vezes no se relacionan con nosotros y también no se relacionan mucho más con los Erasmus  por cuestión del idioma de hablar inglés o español..en general la experiencia fue buena, con sus altos y bajos, pero en general fue bien.”

Geada durante o inverno.
Por Marília Marques
Mas além das dificuldades, os estudantes que para cá vêm sentem-se bem, divertem-se, abrem-se para esta nova cultura. Portugal, em especial Trás-os-Montes, é descrito por mim como uma terra de contrastes: de frio e de calor, aceitação e resistências, tradição e o novo. A vida de um estudante Erasmus, portanto é isto: abrir-se para a cultura do país em que se está, mostrar um pouco da tua própria, sentir saudades, sobreviver às dificuldades, conhecer o novo, viajar, respeitar o que é diferente e, por fim, retornar ao teu próprio país com um número maior de aprendizados na bagagem do que os de souvenirs que se pode levar.


(Esta reportagem foi veiculada na Rádio de Bragança - RBA -  em Portugal / Espanha).

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