Desdentada desde
a juventude, tudo que ela não queria ouvir eram histórias engraçadas. Com uma
rotina dura, dividida entre o varrer e o lavar do chão, não havia tempo pro
lazer. No máximo uma parada solitária em frente à pequena Tv da sala mal
ventilada.
Se ali na
pequena tela ela ouvisse algo que por acaso despertasse o riso de outras
pessoas da plateia do estúdio, essa velha senhora, mesmo sem processar ao certo
a informação, soltava um riso alto, em apenas um som entrecortado e logo se
censurava escondendo vergonhosamente com as mãos aquela expressão de alegria.
Foto de Sebastião Salgado. |
Nas ruas não
respondia a “bom dias” nem encarava por mais de cinco segundos um conhecido. E
sofria, porque na cidade onde morava todos se conheciam. Passavam por ela e
saudavam-na por Das Dores! mesmo que
ela achasse que o nome não lhe caía bem. Das
Dores enxergava tristeza em seu nome, não achava-o digno de alguém como
ela, com saúde – mesmo que todas as noites sofresse com dores no corpo – com
uma casa, apesar dos assombros diários em época de chuva e deslizamentos e com
comida na mesa – mesmo que em muitas manhãs acorde massageando o ventre vazio e
dolorido pela falta de alimento do dia anterior.
Das Dores não tinha ambições, pra ela
era pecado querer mais do que se tinha. Não tinha curiosidade pra nada: se
alguém lhe falasse que precisava conversar com ela no dia seguinte, essa velha
senhora não dava importância. Saber das coisas trazia sofrimento e sofrer fazia
as costas dela doerem terrivelmente.
Das Dores tinha
medos, medos bobos até para uma criança: não se sentia bem na presença de
palhaços, acelerava-lhe o peito só de pensar nos coelhos que a vizinha criava
no quintal ao lado. Evitava multidões, barulho, pisar em tapetes e atravessar
ruas movimentadas. Sentia-se enjoada em ônibus, tinha medo de que te pedissem
informações nas ruas ou que a mandassem ler alguma coisa em voz alta: Das Dores nunca aprendera a ler. Sua
maior frustração. Queria poder entender o que estava escrito nas paredes da
igreja próxima a casa da patroa.
Das Dores era humilhada diariamente,
mesmo sem intenções propositais. Tudo lhe doia. Tudo lhe causava
constrangimento. Possuía medos incompreendidos, um nome que lhe causava
desgostos e o pior, há muito foi lhe tirado o direito de sorrir. A vida tinha
lhe reservado um destino cru e sem espaços para graça.
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